1
Essa voz que vem de dentro
É a voz do mar.
Ela pergunta-nos: onde está a morte?
Em que naufrágio se perdeu?
Em que banco de coral se dissimulou?
Dormem os seus olhos na boca do lúcio,
Ou sob o manto das medusas?
Onde está a morte, tão mínima
Que temos de a procurar no miolo das praias?
Reboam as ondas sobre os seixos
E, ouvidos os canários, perguntam-lhes:
Onde está a morte?
Essa voz que vem de dentro,
Que nos exalta e recoloca
No êxtase, como dentro de um vaso,
É a voz do mar.
2
Quando vejo alguém encantado com o abajur
Percebo que cegou à luz,
Que um reposteiro se interpôs
Entre ele e o mar.
Eu felizmente tenho os teus ombros
Que não me deixam esquecer
Tenho a minha boca que os declina
Em colinas de jade.
Basta mordê-las e a luz jorra
Criva-se nos meus olhos,
Espasmódica, láctea: reflui.
3
Como pode haver uma ponte sem duas margens?
Olhou-a dentro, descontaminando
A fractura dos seus olhos?
Os mistérios são verdes, como o electrão,
Como a tua carne no duche.
O que permanece intocado
Cabe dentro das Suas mãos,
Mãos que seguram as tuas.
A saída do ar é Deus
Que te alambaza de vinho.
Sacia-te, antes de recomendar:
O gato comeu o Espírito Santo,
Sorve-lhe tu agora o coração.
4
É muito difícil pôr a cabeça
De lado. A cabeça
Do cravinho
É mais sã. Também à palavra
Às vezes é preciso cosê-la
Ou encapsulá-la no silêncio.
5
Só via tinta preta
Onde havia letras de um viço
Que atapetava o chão de miosótis.
Nesse verão amiúde
Raiou a caligrafia de Deus
Nos olhos da raposa.
Mas estava incréu
Como pão ázimo.
A sua alma ia com a crina
Daquele cavalo
Que refulgiu como um cometa
No incêndio do estábulo.
6
Quando o estilhaço
Abre uma cratera na cabeça
Do soldado que estava ao teu lado,
Ter medo é uma demasia Inútil.
Quando acordas
Deslumbrado pela mão que poisada
No teu peito te desencordoa
O sangue, ter medo
É uma demasia Inútil.
Guarda as moedas
Para as atirares ao mar.
7
Há um náufrago nos teus cabelos,
Arrasta-te para cima.
O que é plausível
É que a cereja na sua boca
Faça de mim um homem diferente.
Há um náufrago na tua aorta,
Arrasta-te para o sol.
8
Nunca o meu coração foi tão verde
E vibra como a prancha da piscina que folgou.
Aflui a mim a paisagem,
Manancial, anelo, no sonho de despertar Contigo.
E sou quase feliz.
Só não sei onde cresce o ruibarbo.
Havia uma mulher que areava a lua,
Um plátano a abarrotar de estorninhos,
O teu medo estreme na ombreira
Da minha solidão. Confia.
Essa voz que vem de dentro É a voz do mar.
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