quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Luís Filipe Castro Mendes

DIÁLOGOS DE POETAS
Quando eram os dois estudantes em Oxford disse uma vez Auden a Spender:
«a arte é o que resulta de uma persistente humilhação»;
e ficou deitado no quarto a fumar,
enquanto ouvia os passos envergonhados do outro
a afastar-se pelo corredor fora. A arte
pode durar no sangue, mas nada conta
face aos tumultos, ao insaciável e brutal conhecimento.
Assim ficaremos, sós e divididos,
a respirar no silêncio dos quartos
a perdida invenção da juventude
— até encontrarmos noutros frios corredores
a música voraz do esquecimento.

PAISAGEM SUBURBANA
Pequenas árvores torcidas
sob a chuva; o verde pouco;
e casas onde o céu não tem como findar.

Se esta paisagem fosse só
amor ausente, vidro fosco,
miséria sem halo
(como o real que sobra da canção),
contrafeitos à chuva e transviados
saberíamos perder o coração.

POÉTICA MÍNIMA
Considera o peso de uma alma,
o cheiro a pó-de-arroz
atrás de tanta chama,

a seda amarrotada,
o cetim que não brilha,
a boneca no fundo
da quinquilharia.

Nada pesa no limbo
que há dentro da memória:
considera na alma
o avesso da História.

[In Modos de Música, In Poesia Reunida, Rio de Janeiro, Topbooks, 2001, pp. 289-291]

Sobre Luís Filipe Castro Mendes

Joseph Mallord William Turner

Nenhum comentário:

Rosa Alice Branco

  A Árvore da Sombra A árvore da sombra tem as folhas nuas como a própria árvore ao meio-dia quando se finca à terra e espera co...