domingo, 19 de janeiro de 2014

Aimé Césaire

47.
Intumescências de noite nos quatro cantos dessa madrugada
sobressaltos de morte imóvel
destino tenaz
gritos de pé de terra muda
O esplendor desse sangue não explodirá?

48.
No fim da madrugada esses países sem estela,
esses caminhos sem
memória, esses ventos sem tábua.
Que importa?
Diríamos. Cantaríamos. Uivaríamos.
Voz cheia, voz ampla, serias nosso bem, nossa ponta de lança.

49.
Palavras?
Ah sim, palavras!
Razão, eu te sagro vento da noite.
Boca da ordem o teu nome?
Para mim ele é corola de açoite.
Beleza eu te nomeio petição da pedra.
Mas ah! o rouco contrabando do meu riso
Ah! meu tesouro de salitre!
Porque vos odiamos a vós e à vossa razão, reivindicamos a de-
mência precoce a loucura flamejante o canibalismo tenaz

50.
Tesouro, contemos:
a loucura que recorda
a loucura que ruge
a loucura que vê
a loucura que se desencadeia

51.
E todos sabem o resto

[In Diário de um retorno ao País Natal, Tradução, Posfácio e Notas de Lilian Pestre de Almeida, São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 2012, p. 35].

Sobre Aimé Césaire

Mallorie Mae





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