por ferros viventes, as suas cartilagens
queimadas, o meu coração ligeiramente húmido
e os meus cabelos enlouquecidos
nas tuas mãos.
Amo também
o meu sangue atravessado por gemidos.
Amo a calcificação e a melancolia
arterial e a paixão do fígado
fervendo no passado e as escamas
das minhas pálpebras frias.
Amo o estame celular, as fezes
brancas no final, o orifício
da infelicidade, as medulas
da tristeza, os anéis
da velhice e a influência
da treva intestinal.
Amo os círculos
gordos da dor e as raízes
dos tumores lívidos.
Amo este corpo velho e a substância
da sua miséria clínica.
O esquecimento
dissolve a matéria pensante
diante dos grandes vidros da mentira.
Já
tudo está dirimido.
Não há causa em mim. Em mim não há
mais que cansaço e
um extravio antigo:
ir
da inexistência
à inexistência.
É
um sonho.
Um sonho vazio.
Mas acontece.
Eu amo tudo quanto cri
vivente em mim.
Amei as grandes mãos
da minha mãe e
aquele metal antigo
dos seus olhos e aquele
cansaço cheio de luz
e de frio.
Desprezo
a eternidade.
Vivi
e não sei porquê.
Agora
hei-de amar a minha própria morte
e não sei morrer.
Que equívoco.
[In Canção Errônea, In Esta luz, Poesía Reunida (1947-2004), Barcelona, Círculo de Lectores, S.A./ Galaxia Gutenberg, 2010, pp. 277-281].
AMADEO DE SOUZA CARDOSO |
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