XXI
Voltei para casa com a sensação de uma absoluta solidão.
Em geral, essa sensação de estar só no mundo aparece mesclada a um orgulhoso sentimento de superioridade: desprezo os homens, acho que são sujos, feios, incapazes, ávidos, grosseiros, mesquinhos; minha solidão não me assusta, é quase olímpica.
Mas naquele momento, como em outros semelhantes, encontrava-me só em consequência de meus piores atributos, de minhas baixas ações. Nesses casos sinto que o mundo é desprezível, mas compreendo que eu também faço parte dele; nesses instantes sou invadido por uma fúria de aniquilação, deixo-me afagar pela tentação do suicídio, me embriago, procuro as prostitutas. E sinto certa satisfação em provar minha própria baixeza e em verificar que não sou melhor do que os sujos monstros que me rodeiam.
Naquela noite me embriaguei num café da zona do porto. Estava no pior da bebedeira quando senti tanto nojo da mulher que estava comigo e dos marinheiros que me rodeavam que saí correndo para a rua. Caminhei pela Viamonte e desci até o cais. Sentei ali e chorei. A água suja, embaixo, tentava-me constantemente: para que sofrer? O suicídio seduz por sua facilidade de aniquilação: em um segundo, todo este absurdo universo vem abaixo como um gigantesco simulacro, como se a solidez de seus arranha-céus, de seus encouraçados, de seus tanques, de suas prisões não passasse de uma fantasmagoria, sem mais solidez que os arranha-céus, encouraçados, tanques e prisões de um pesadelo.
A vida aparece à luz desse raciocínio como um longo pesadelo, do qual, no entanto, cada um pode libertar-se com a morte, que seria, assim, uma espécie de despertar. Mas despertar para quê? Essa irresolução de lançar-me ao nada absoluto e eterno foi o que me deteve em todos os meus projetos de suicídio. Apesar de tudo, o homem é tão apegado ao que existe que acaba preferindo suportar sua imperfeição e a dor que causa sua fealdade, a aniquilar a fantasmagoria com um ato de vontade própria. E costuma acontecer, também, que quando chegamos a essa beira do desespero que precede o suicídio por ter esgotado o inventário de tudo o que é mau e ter chegado ao ponto em que o mal é insuperável, qualquer elemento bom, por menor que seja, adquire um valor desproporcional, acaba tornando-se decisivo, e nos aferramos a ele como nos agarraríamos desesperadamente a qualquer talo de grama diante do perigo de rolar num abismo.
Era quase madrugada quando decidi voltar para casa. Não me recordo como, mas, apesar da decisão (que recordo perfeitamente), encontrei-me de repente diante da casa de Allende. O curioso é que não recordo os fatos intermediários. Vejo-me sentado no cais, fitando a água suja e pensando: “Agora preciso me deitar”, e em seguida me vejo diante da casa de Allende, observando o quinto andar. Para que olharia? Era absurdo imaginar que àquela hora eu pudesse vê-la de algum modo. Fiquei ali muito tempo, estupefato, até que tive uma ideia: desci até a avenida, procurei um café e telefonei. Fiz isso sem pensar no que diria para justificar uma ligação a uma hora daquelas. Quando atenderam, depois de eu ter insistido durante uns cinco minutos, fiquei paralisado, sem abrir a boca. Desliguei, espavorido, saí do café e comecei a andar ao acaso. De repente me vi novamente no café. Para não chamar a atenção, pedi uma genebra e enquanto a bebia resolvi voltar para casa.
Depois de um tempo bastante longo me vi afinal no ateliê. Joguei-me, vestido, sobre a cama e adormeci.
[In O Túnel, tradução Sérgio Molina, São Paulo: Mediafashion, 2012, pp. 85-87 (Coleção: Folha Literatura ibero-americana, vol. 5)]
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