No silêncio bebe a sua taça
e é dor o amor enquanto espera,
imagina o desejo de repente
e lentamente olha o olhar do Outro.
Conhecer é amar, disse o divino
Platão ou outro filósofo antigo.
Porém como traçar na sombra
da persiana de luz o esboço
do teu rosto escasso ausente,
se no diurno amor a memória
o faz mais esquecer-se?
Quando Março me dá a nova flor
que abre sem palavras a corola,
eu comparo-a com o amor que eclode
na pupila do olhar em luz e sombra.
Todo o ventre é bendito, tanto
mais o da primavera do cio
de aves e flores. Também o desejo
imaginou a língua sem palavras,
e que é a do som do Canto e dos poemas.
Este diurno Amor está em corpo,
e num e noutro, como o pão partido
no banquete dos convivas silenciosos
que é o de cada um consigo e os outros.
Nenhuma coisa ausente o partilha,
quando as estações do tempo passam
por nós depois da Primavera e param
na longa mesa posta para o Verão.
Tudo é presença aqui, e o tempo é dia.
[In Obra Breve Poesia Reunida, Lisboa, Assírio & Alvim, 2006, pp. 577-578].
CANTO DA ARTE BREVE
Horácio enganou-se ao contar
os longos anos da vida breve vivida.
O periquito que ganhou a plumagem
há uma semana, e morre mal concebe
as cores no seu corpo, é apenas breve.
O meu relógio de caixa alta, Cronos,
que como um animal ferino me segue,
é também um ser de pulso escasso
e fugaz. No sexto dia pára, e espera
que eu de novo lhe ofereça o seu bafo.
Só os meus imensos dias jamais cabem
nos versos escritos ou ditos, quotidianos,
e se somarmos as horas dos sentidos
é curta a memória e alonga-se o desejo.
Os afectos, os silêncios, os sinais
são a diversa linguagem dos meus dias
e o corpo soma a sua soma em vida.
Nunca a Arte mais se demorou
do que estas mãos que são frugais:
o pouco pão e a água abundam
nos muitos anos longos de penúria.
E é tão vária e imprecisa a vida
que não pode ficar toda contida
em palavras que apenas a resumem.
Os bens que entesourei excedem
a Arte que quisesse neles contentar-se.
Ó morte, se a vida é longa e breve
soma-lhe ainda a mudez e a cegueira
e dá tu aos versos a medida inteira.
[In Obra Breve Poesia Reunida, Lisboa, Assírio & Alvim, 2006, p.584].
By Franz Ignaz Günther Chronos |
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