terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Pedro Salinas

NÃO EM PALÁCIOS DE MÁRMORE 
não em meses ou algarismos,
nunca pisando o solo:
em leves mundos frágeis,
foi que vivemos juntos.
O tempo se contava
apenas por minutos:
um minuto era um século,
uma vida, um amor.
Abrigavam-nos tetos,
menos que todos, nuvens;
menos que nuvens, céus;
ar, menos ainda, nada.
Atravessando mares
feitos de vinte lágrimas,
dez tuas e dez minhas,
chegávamos a contas
douradas de colar,
ilhas limpas, desertas,
sem flores e sem carne;
albergue, tão miúdo,
em vidro, de um amor
que sozinho bastava
para o querer mais grande
e não pedia auxílio
aos barcos nem ao tempo.
Galerias enormes
abrindo
em grãozinhos de areia,
descobrimos as minas
de chamas ou de acasos.
E tudo
a pender de um só fio
quem sustentava? quem?
Por isso nossa vida
não parece vivida:
deslizante, resvala,
nem estelas nem rastos
deixou atrás. Se queres
recordá-la, não olhes
onde se buscam sempre
pegadas e lembranças.
Não olhes para a alma,
a sombra, ou para os lábios.
Contempla bem a palma
de tua mão, vazia.

[In Carlos Drummond de Andrade, Poesia Traduzida, Organização e Notas Augusto Massi e Júlio Castañon Guimarães, Introdução Júlio Castañon Guimarães, São Paulo: Cosac Naify, 2011, pp. 329-330]

Sobre Pedro Salinas

By Louise Bourgeois


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