quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Renata Pallottini

NÃO SEI NADA
NÃO SEI nada
não compreendo nada
e me irei sem nada ter aprendido
senão as lições da minha própria angústia.

No entanto
desta luta de punhais que se travou dentro de mim
continuo a guardar lenços manchados
até o dia antes do fim de tudo
em que hei de expor ao sol os mapas desta viagem.

LATIFÚNDIO
NÃO quero mais me lamentar
mesmo porque
não tenho mais de quê.
Se o sabiá voou
ficou-me o bem-te-vi.
Se o amor acabou fica o estamos aí.

Eu tenho a grama do jardim
e mais
tenho-me a mim.

SURREALISTA
Em tua boca não há palavras para mim
não obstante o teu amor (e nele creio).
Vives um mundo exato; e eu tropeço
nos dias e nos medos.
Vou me virar pra dentro, como um fruto
depois da flor; e me como a mim mesma.
Vou subir pelo tronco, parasita,
vou cair no poema.
Vou voar pelas asas marinheiras
de mil e uma, mil e duas borboletas.
Ah, vou emudecer solenemente e em verso,
ah, vou me suicidar como Santos Dumont.
Quando me procurares, meu amor,
verás no meu lugar a casca da libélula
e um fio de cabelo ton sur ton.

[In Obra Poética, Editora Hucitec: São Paulo, 1995, pp. 224-225].

ESTA CANÇÃO
"Aquilo que é, já foi; e aquilo que há de ser já foi; Deus fará vir outra vez o que já se passou." (Eclesiastes, 3:15)

Esta canção tateia a tarde clara
buscando a minha voz que é sua fonte.
Assim voltam os pássaros ao campo,
assim volta o horizonte ao horizonte.
Sou doido que canta para si,
cônscio de não saber nem do que inventa;
recriando o criado, ele sorri,
ciente de que não faz nem acrescenta.
Tudo já foi, apenas se repete;
este lugar de amor será pregresso
quando for dor a dor que se promete.
Chegou-me agora o que já foi futuro;
assim Deus me prepara o teu regresso
como se planta um poema manuscrito.

[Fonte: Blog de Renata Pallottini]



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