Disseram-nos que o fogo devoraria as lavouras destes sonhos urbanos. Mas o que fazer com as torrentes das comportas abertas nos céus?
À janela, respiramos turvando a imagem.
O pensamento é ainda labirinto em forma de ponte - às avessas, em travessias alagadas, sentamos nas caçambas das ideias a coser minutos nas vestes relojoadas do tempo.
do outro lado do rio, o destino em corredeira.
pois quando disseram-nos tempestade, fugimos para os antros seguros da casa - eis quando os desbravadores se apavoram, recolhendo-se na fragilidade dos músculos.
agarrados à janela, ainda respiram turvando a imagem.
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maternidades
A ponta da luz
aponta a lua
no dedo;
a mãe sorri
enquanto o filho
brota no canteiro
materno -
amor, leite e terra,
ternura no afago
de um incipiente
mundo -
abraços no seio
dos lábios.
eis que o regaço terreno
circunda o dorso celeste
da lua, palma de uma mão
branca, cândida epiderme
a mãe sorri
enquanto o filho
brota no canteiro
materno -
o amor e os seus múltiplos
apontam a luz:
a lua em seus dedos,
côncavo lago onírico
onde deitam apaixonados
o poeta e o poema -
o amor e o seus múltiplos
filhotes no ninho
voam na espera:
há ninho em todo sítio
quando o albatroz gera
o peixe e o poeta,
voos feitos a nados,
ainda ancorados na terra
a mãe sorri
enquanto o filho
brota no canteiro
materno -
amor ao céu e à terra,
ternura no afago
do recipiente-mundo:
tigela extensa onde correm
agitados o leite e o mel;
eternidades,
maternidades.
[Ailton Volpato nasceu em Jandira (SP), em 1991. Cursou Filosofia em Curitiba e atualmente é noviço da Congregação Sagrada Família de Bérgamo, naquela mesma cidade].
Paul Gauguin |
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