sexta-feira, 21 de março de 2014

Dora Ferreira da Silva

NARCISO (I)
Lampeja o olhar que antes a toda a beleza
se esquivara. És tu, Narciso,
teu reflexo nas águas, ou a irmã
de gêmeo rosto e forma?
Não, não te afastas, porque a unidade
em duas se faria e o mundo das sombras ulula
à espera de tal luto. Permaneces inclinado
e adoras, sem saber se és tu, ou quem queres ver
no exasperado amor que as águas refletem.
A Morte veio enfim buscar-te, consternada,
vendo os olhos do estranho amante
fixos na flor nascida de teu sonho.

NARCISO (II)
Folhas incandescentes fizeram da fonte
vale de fulgores. Bebia Narciso sobre a onda
quando uma face viu de tal beleza
que a luz mais viva se tornou.
E Amor — cujas setas jamais puderam alcançar
seu coração esquivo — nele reinou e jamais do jovem
se apartava, que a seu chamado às águas acorria.
Insidiosa veio a Morte para o levar consigo,
deixando numa flor a forma de Narciso.

[In Hídrias, São Paulo, Odysseus, 2004, pp. 38-39].



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