quarta-feira, 5 de março de 2014

Edmond Jabès

SEMPRE ESSA IMAGEM
Sempre essa imagem
da mão e da fronte,
do escrito rendido
ao pensamento.

Tal a ave no ninho,
minha cabeça está em minha mão.
Restaria a árvore a celebrar,
se o deserto não fosse toda parte.

Imortais para a morte.
A areia é nossa parte
insensata de herança.

Possa essa mão
onde o espírito se recolheu,
ser plena de sementes.
Amanhã é um outro termo.

Sabíeis que nossas unhas
outrora foram lágrimas?
Arranhamos os muros com nossos prantos
endurecidos como nossos corações-infantes.

Não pode haver salvamento
quando o sangue afogou o mundo.
Dispomos apenas de nossos braços
para alcançar, a nado, a morte.

(Para além dos mares, acima das cristas,
minúsculo planeta não identificado,
mãos unidas, redondas mãos plenas,
escapadas ao pesar.)


Quando a memória nos for rendida,
o amor saberá enfim sua idade?

Felicidade de um velho segredo partilhado.
Ao universo se agarra ainda
a esperança do primeiro vocábulo;
à mão, a página amarrotada.

Há somente tempo para o despertar.

[In DESEJO DE UM COMEÇO, ANGÚSTIA DE UM SÓ FIM, A MEMÓRIA E A MÃO - UM OLHAR, São Paulo, Lumme Editor, trad. Armanda Mendes Casal & Eclair Antonio Almeida Filho, 2013, pp. 78-83].

By Fran Viegas


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