segunda-feira, 24 de março de 2014

Hélia Correia

22.
E como que o ouviam,
Esses atenienses, quando os louros
— Não eram também louros os Aqueus
Que tão saudosamente recordamos?
Capitães do império os fuzilavam.

[In A Terceira miséria, Lisboa, Relógio D´Água, 2013, p. 28]

24.
O que não sabe
De cor poemas como os que salvaram
Literalmente os soldados que, vencidos
E condenados a morrer à míngua
Ou a serem vendidos como escravos —
Atenienses contra Siracusa —,
Deram aos inimigos, mais valioso
Do que ouro podia ser, versos de Eurípides,
E em troca disso foram libertados.

[In A Terceira miséria, Lisboa, Relógio D´Água, 2013, p. 30]

25.
Sim, falamos de sombras. Vendo bem,
Incendiámos tudo: Alexandria
E os sábios, as mulheres. Incendiámos
O grande coração. Temos aos ombros
O apetrecho dos destruidores,
Não a pólvora, não: essa arrogância
Pela qual o ocidente se perdeu.

[In A Terceira miséria, Lisboa, Relógio D´Água, 2013, p. 31]

26.
Humilhado lugar, empobrecido
Palácio de colunas, vitoriosa
Atena a qual se inclina para atar
Os fios da sandália e assim perdura
Na austera opulência, sem que algum
Visitante se cale a contemplá-la. 

[In A Terceira miséria, Lisboa, Relógio D´Água, 2013, p. 32]

27.
Oh Grécia que chamaste Byron como
Incestuosa irmã, tu que lutavas
Contra visíveis com visíveis armas,
E invisíveis também pois não lançou
Zeus o seu raio contra os ocupantes
Que fizeram do Pártenon paiol
E foram, no entanto, incendiados,
Tu, Grécia, semelhante a heroína
Sujeita a vilipêndio, tu a quem
Acorreram os jovens da Europa,
Os de linhagem, como impacientes
Por qualquer boa espécie de jornada,
Tu, que também chamaste por Friedrich
Tarde de mais, pois ele cortara com
Toda a noção de possibilidade,
Parecias levar tudo tão a sério
Que tu própria quiseste matar Byron
Deitando-o devagar, adoecendo-o,
Poupando o ao confronto e à derrota,
Porque derrota houve uns anos mais. 

[In A Terceira miséria, Lisboa, Relógio D´Água, 2013, p. 33]

28.
«Acorda — a Grécia não, que está desperta —
Acorda tu, meu espírito», disse ele.
Cavalgava na chuva, cavalgava
Distante dos amigos, de mãos nuas,
Prevendo a glória e acordando o chão
De Missolonghi, um chão esfaimado há muito.
Um chão onde ele esperava repousar. 

[In A Terceira miséria, Lisboa, Relógio D´Água, 2013, p. 34]





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