Ó Deus abandonado
Tu te consolas na tua solitária justiça,
Tu te consolas
Dos que não te amam nem te reconhecem,
Dos que coroam de flores a estátua do Tempo
E te voltam a face e os pés.
Tu te consolas no teu próprio equilíbrio
Insondável ao olhar e ao espírito do homem.
Tu te consolas na geração incessante do teu Verbo
E no amor em espiral do teu Espírito.
Tu te consolas sem auxílio da natureza,
Sem o ritmo e o vaivém das asas dos arcanjos,
Tu te consolas sem consolo
No infinito íntimo que revelaste ao homem
E que ele resistente rejeita.
Ó Deus absurdo e nu
Tu te consolas no teu próprio conhecimento
E na qualidade de seres em ti mesmo eterno.
Ó Deus ácido
Tu te consolas dos criminosos,
Dos homens que romperam a tua e a sua lei.
Tu te consolas da morte
Que o homem quis conhecer e provocou,
Tu te consolas dos massacres e misérias que consentes
Mas a tua face não regista a angústia
Porque és anterior e posterior a todo sofrimento.
Ó Deus
Tu te consolas da crucifixão e morte do teu Filho unigênito
Porque podes gerá-lo eternamente e agora
Conhecendo que pela sua morte ele matou a morte.
Na tua plenitude e perfeição
Tu te consolas do desvio da tua raça terrestre.
O homem se transformará no teu conhecimento
Mesmo árido,
Mesmo em parcela e enigma,
Captando assim o infinito íntimo
Que um dia lhe deste em testamento.
[In Poesia Completa e Prosa, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, pp. 772-773].
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