sábado, 4 de outubro de 2014

Amir Guilboa

ALEGRIA
Cada um na rua perguntou por que estás alegre
e eu não compreendia que estava alegre
quando cheguei quase ao fim das ruas.
Encontrei um menino que brincava na areia no fim
[das ruas

disse-lhe vem tu também e sê alegre
ele me disse tu estás no fim das ruas.

Cada um na rua perguntou por que estás alegre
e eu não compreendia que estava alegre
quando cheguei quase ao fim da alegria.
Achava-me uma criança que não chegava ao fim da
[alegria
disse comigo tu serás ainda bem alegre
e jamais chegarás ao fim da alegria.

Cada um na rua perguntou por que estás alegre
e eu não compreendia que estava alegre
 e aliás não compreendo nada quando é hora da alegria.
Tive um dia muito longo sem que eu estivesse alegre
e espantava-me com cada um que então interrogava a
[minha alegria
e uma dor devora o coração grande como uma alegria.

NA ESCURIDÃO
Se me mostram um seixo e eu digo seixo eles dizem
seixo
se me mostram uma árvore e eu digo árvore eles dizem
árvore
mas se me mostram sangue e eu digo sangue eles dizem
cor
se me mostram sangue e eu digo sangue eles dizem cor.

OS CAVALOS DOS CAVALEIROS
As lanças dos cavaleiros tocavam o céu
e com isso os cavalos estavam muito orgulhosos
desenhei os cavalos soberbos e altivos
sem cavaleiros
sem lanças.
E meus cavalos livres de freios se amontoavam
no papel, no assoalho e na parede.
E depois, lançados comigo à poeira,
sentiram que lhes nasciam asas.
Agora que voam pelos céus
evoco a sua lembrança neste poema.

O DIA INTEIRO
Meu Senhor,
caminhei o dia inteiro para ver a tua face.
Os ventos fortes cortaram-me o rosto e os joelhos
os fortes ventos combateram meus passos
os ventos fortes apagaram as luzes dos meus olhos.

Meu Senhor,
caminhei o dia inteiro para ver a tua face.
Por tua força caminhei:
a cada passo pensava em teu nome.
A cada passo afogava teu nome
nos rochedos, na lama, na areia .
De caule em caule.
De poste em poste.
Eu sabia que te veria vivo,
pois não morrerás nunca
não morrerás
não!
Pois tu és o supremo Senhor da tribo.

Meu Senhor,
caminhei o dia inteiro para ver a tua face,
e encontrei-te escravo.

Tradução: Cecília Meireles

Amir Guilboa nasceu na Ucrânia em 1917  e foi educado em Israel. Participou da segunda guerra mundial. Sua escrita teve grande influência sobre os mais jovens. Faleceu em 1984. 

[In Antologia da Literatura Hebraica Moderna, Rio de Janeiro, Biblos, 1969, pp. 62-65]





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