quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Adriano Wintter

NOVO AMOR
I
apesar dos chacais, aqui estás
disposto a mais
 essa aventura
                    (núbil
                    ou inútil)
                    em busca
                    do Absoluto

tu não aprendes com a dor
é teu defeito
                     o peito
                     repete o furto

                     e o fatigado
                     fígado
                     – casmurro ao
                    cárcere –
                    gladia com a harpia
                    da solidão

aqui estás
no fracasso de tudo
com frustração e furor
asco e pânico
e crises de cólera comprovam
que não és um anjo


II

héctico pulsar
de diamantes
                    que revigoras
                    quando avanças

ampla
unidade de
relâmpagos, fusão
de infâncias, cura
das pústulas espúrias, ocaso
das culpas, enlace
de exílios, riso
cúmplice, sono
unívoco

                    isso
                    esperas da Verdade
                    e seu milagre

pois não aprendes com a dor:
amas sempre

 FLUXOS RUBROS
primeiro foi a manhã
       ruiva leoa:
       patas de tulipas
       e rugidos de papoulas

depois o fogo
       artéria de hélio
       glóbulos celsius
       irrigando a terra

por fim: o crepúsculo
       portal de rubis
       entre astros que nascem
       e azuis
       que desintegram

O AÇÚCAR É
fúsil
se alumens diluem
sua armadura mascava

acro
se cáustico ataque
parte a mandíbula frágil

albino
se fios de refino
esfolam aminoácidos

inviso, líquido, místico
se luz ou amor destilam
gotas etílicas de seus átomos


FONTES 
estou sentado no solo do sofrimento, longe das
harpas do sexo, das quatro fases do fogo
e cavo para ver

estou sentado de costas
com as mãos ulceradas, buscando
o coração da Flor (o branco
nome dos entes)
que bate na boca
de Deus

estou como Borges:
no escuro, tateando
hipóteses da
obra, sentindo
a mitológica fala
que agarro e arrasto
para luz:

raiz
da linguagem
que o ar áudil
esfaz

ECOS
I
o verso: negra
pedra, quebra
o silêncio: vã
mordaça de
estilhaços
que o encerra
(ou exalta)
um segundo
após o impacto


II
a página:
breve
arena
 (ou
tenro
tálamo)
em
que se
invadem
e
dil-atam
o vazio
e as
palavras


III
a leitura:
rubro
gesto de
audir fogo
polir ecos
em abismos
caçar febres
em contrários
- alçar aves –

RESGATE
adeus, fosso escuro
tumba de mundos
chão de tarântulas


adeus,  minha ira
meu fracasso
hircus foetidum complexos
ócio pânico fantasmas
traições élan do nada

adeus

junto aos cabos do amor
e às cordas
da aurora
eu subo ao círculo azul
do recomeço


 (uma face me iça)


LAUDO
cardiopata crônico

com
alto nível
de açúcar no sangue

inflamações
dissolvendo neurônios

insanidade
sonhos

displasia lírica
no dna das
células

e um
repetitivo
pendor à hipérbole

pelo que
diagnosticamos:
excesso
de um hormônio
só encontrado em anjos
ou
vulgarmente falando
AMOR
tipo
raro
sem remédio

 O Bom Samaritano, 1885, Ferdinand Hodler (1853-1918



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