terça-feira, 25 de novembro de 2014

Isabel Mendes Ferreira

159.
e dizer-te que somos apenas selvagens na melhor das
asceses, inconfidentes do milagre assustado de ao
contrário da vida iludirmos a própria ilusão, nus e
desolados, inconfortados. ilhas sim como já te tenho dito
meu anjo sofrente das horas que nunca foram nossas,
nem outras.
afinal o espanto é mudo o poder uma fonte a secar no
verão e nada nos é amparo nos dias de assombrosas
intimidades._______________ sendo que agir ou
esquecer é tão volátil como o julgar julgamos a distância
e os flagelos como olhos dentro do tempo, inexplicável
aparição de uma palavra mensageira, ela mesma ilha
dentro de um continente, mortalha.___________
não me digas que os abutres são o coro peremptório das
ligações intoleráveis, as ditas do inferno,
desdirei que somos, e que o método de aceder ao
labirinto é mais profano e hermético que um texto
embaciado de sínteses e alegorias, sem ti____ anjo____
sou mais fora de mim. cegante de ensaios que os outros
ensaiam em nome de um impressionismo que é ponte
para lugar nenhum, sou desta dialéctica pronta a despir
em nome de uma asa que só tem o teu nome. fora desta
órbita é falível o voo? que seja. ondulante.

o tempo é renda no ventre plano da saudade

não espero nada. sou assim como a desintegração, evento
cardume película e animal de infância__________
cume e discrepância, gula e palha, ampla a memória
do que sendo ávido é recato, não tenho medo das
horas nem da gelatinosa aparência que se pretende luz
sendo sombra, mais ao longe tudo me fica brando e
enquanto me curvo convulsa e herege ergo-te a face da
multiplicação do verbo, é teu o livro que não escrevo,
é nosso o ventre plano da saudade, redondo só o
futuro._________________ peregrino em cada carta
que o fogo ateia.
enquanto lá fora se fazem teias de arame e pétalas
hipnotizantes as mãos são gruas tubulares de água. tudo
o que nos é condicionante, era verão, lembras? na mesa
do mar.
mas afinal o tempo é mesmo só r e n d a
que a saudade essa sim é plana rasa e arrasa, desfaz
o peito, curva o corpo, destroça a raiz. estala a
pele._______________ já macerada de luas que
arderam aos teus pés. concebo-te estio, sempre, mesmo
na linha espumosa deste inverno.

[In O TEMPO É RENDA, Lisboa: Labirinto de Letras, 2014, pp. 106-108]


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