quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Wallace Stevens

TATUAGEM
A luz lembra uma aranha.
Caminha sobre a água.
Caminha pelas margens da neve.
Penetra sob as tuas pálpebras
E espalha ali suas teias –
Duas teias.

As teias de teus olhos
Estão atadas
À carne e aos ossos teus
Como a um caibro ou capim.

Há filamentos de teus olhos
Na superfície da água
E nas margens da neve.

O CÉU CONCEBIDO COMO UM TÚMULO
Que me dizeis, intérpretes, dos que
No túmulo do céu andam à noite,
Fantasmas negros da comédia finda?
Creem, talvez, que vagarão pra sempre
No frio, no escuro, com lanternas altas,
Libertos da morte, a buscar sem trégua
O que quer que busquem? Ou a lembrança
Do enterro, portão da espiritual
Chegada ao nada, é antevisão diária
Daquela noite única e abissal
Em que as hostes não mais caminharão,
Nem mais lanternas riscarão a treva?
Gritai essa pergunta aos céus, que a ouçam
Os sombrios comediantes, e a respondam
Do seu longínquo e gélido Élysée

CANÇÃO
Há coisas esplêndidas acontecendo
No mundo,
Coelhinho.
Há uma donzela,
Mais doce que o som do salgueiro,
Mais suave que água rasa
Correndo sobre seixos.
No domingo,
Ela veste um casaco longo,
Com doze botões.
Conta isso à tua mãe. 

PARVOÁLIA
Essa flor estranha, o sol,
É o que você diz que é.
Se é assim que você quer.

O mundo é feio,
E ninguém é feliz.

Esse tufo de plumas de bugre,
Esse olho animal,
É o que você diz que é.

Esse selvagem de fogo,
Essa semente,
Se é assim que você quer.

O mundo é feio,
E ninguém é feliz.

DEPRESSÃO ANTES DA PRIMAVERA
O galo canta,
Mas rainha alguma se levanta.

Minha loura tem cabelos
Deslumbrantes,
Como o cuspo das vacas
Costurando o vento.

Uô! Uô!

Mas cocoricó
Não traz curru nenhum,
Nenhum curru-curru.

Mas rainha alguma vem
Com verde chinelinha.

OS VERMES AOS PORTÕES DO PARAÍSO
Da tumba, trazemos Badrulbadur,
Em nossos ventres, sua carruagem.
Eis um olho. E eis aqui, um por um,
Os cílios desse olho e a alva pálpebra.
Eis a face em que a pálpebra descia,
E aqui, dedo após dedo, eis a mão,
O gênio dessa face. Eis os lábios,
Eis o fardo do corpo, mais os pés.
. . . . . . . . . . .
Da tumba trazemos Badrulbadur.

Tradução de  Paulo Henriques Britto

Fonte: Revista Piaui


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