TATUAGEM
A luz lembra uma aranha.
Caminha sobre a água.
Caminha pelas margens da neve.
Penetra sob as tuas pálpebras
E espalha ali suas teias –
Duas teias.
As teias de teus olhos
Estão atadas
À carne e aos ossos teus
Como a um caibro ou capim.
Há filamentos de teus olhos
Na superfície da água
E nas margens da neve.
O CÉU CONCEBIDO COMO UM TÚMULO
Que me dizeis, intérpretes, dos que
No túmulo do céu andam à noite,
Fantasmas negros da comédia finda?
Creem, talvez, que vagarão pra sempre
No frio, no escuro, com lanternas altas,
Libertos da morte, a buscar sem trégua
O que quer que busquem? Ou a lembrança
Do enterro, portão da espiritual
Chegada ao nada, é antevisão diária
Daquela noite única e abissal
Em que as hostes não mais caminharão,
Nem mais lanternas riscarão a treva?
Gritai essa pergunta aos céus, que a ouçam
Os sombrios comediantes, e a respondam
Do seu longínquo e gélido Élysée
CANÇÃO
Há coisas esplêndidas acontecendo
No mundo,
Coelhinho.
Há uma donzela,
Mais doce que o som do salgueiro,
Mais suave que água rasa
Correndo sobre seixos.
No domingo,
Ela veste um casaco longo,
Com doze botões.
Conta isso à tua mãe.
PARVOÁLIA
Essa flor estranha, o sol,
É o que você diz que é.
Se é assim que você quer.
O mundo é feio,
E ninguém é feliz.
Esse tufo de plumas de bugre,
Esse olho animal,
É o que você diz que é.
Esse selvagem de fogo,
Essa semente,
Se é assim que você quer.
O mundo é feio,
E ninguém é feliz.
DEPRESSÃO ANTES DA PRIMAVERA
O galo canta,
Mas rainha alguma se levanta.
Minha loura tem cabelos
Deslumbrantes,
Como o cuspo das vacas
Costurando o vento.
Uô! Uô!
Mas cocoricó
Não traz curru nenhum,
Nenhum curru-curru.
Mas rainha alguma vem
Com verde chinelinha.
OS VERMES AOS PORTÕES DO PARAÍSO
Da tumba, trazemos Badrulbadur,
Em nossos ventres, sua carruagem.
Eis um olho. E eis aqui, um por um,
Os cílios desse olho e a alva pálpebra.
Eis a face em que a pálpebra descia,
E aqui, dedo após dedo, eis a mão,
O gênio dessa face. Eis os lábios,
Eis o fardo do corpo, mais os pés.
. . . . . . . . . . .
Da tumba trazemos Badrulbadur.
Tradução de Paulo Henriques Britto
Fonte: Revista Piaui
quarta-feira, 19 de novembro de 2014
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Fernando Paixão
Os berros das ovelhas de tão articulados quebram os motivos. Um lençol de silêncio cobre a tudo e todos. Passam os homens velho...
-
ÂNGELA.- Continuei a andar pela cidade à toa. Na praça quem dá milho aos pombos são as prostitutas e os vagabundos — filhos de Deus mais do ...
-
PÃO-PAZ O Pão chega pela manhã em nossa casa. Traz um resto de madrugada. Cheiro de forno aquecido, de levedo e de lenha queimada. Traz as...
-
ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ. DE ARIANA PARA DIONÍSIO. I É bom que seja assim, Dionísio , que não venhas. Voz e vento ...
Nenhum comentário:
Postar um comentário