terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Armando Freitas Filho


TRÍPTICO
imitando Francis Bacon

O arquiteto
Emparedado ou preparado no quarto-forte
no aparelho sem janela, cada dia
à cabeceira, o copo d'água
se envenena, escurece, o relógio
de pulso retroativo, vai em frente
irredutível, bate seco na quadra
do tempo, na superfície da vida.
Sonho preto de labiríntica engenharia
se levanta em linha reta, contra a luz
do sol, ao ar livre, pronto para o assalto.

Homem-bomba
O corpo insuportável erra, se auto-empurra
calcificado, intramuros, e no caminho.
Atravessa trincheiras incorporando
o entulho das paredes repetentes
entranhadas em si, indissociáveis, com o que tem
de similar à alvenaria: osso, dente, unha, cálculo
cumprindo o destino mal traçado nas linhas da mão
no seu alcance máximo, e purga, na implosão da fé.

Ecce homo
Asfalto pânico. A flor não fura mais
a dura casca preta. O terno, depois
o carro blindado até os dentes do radiador.
Colete à prova de bala, roda de titânio
que o terror sem rosto dirige, explosivo
invisível, atrás de vidros negros —
fúnebre e fantasma — cheiro de couro
virgem, carne de caralho, loção
pós-guerra, punho, pulso no volante
segurando não sei quantos cavalos.

(In Raro Mar, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 52-53)





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