Condição de Jó
“A terra foi entregue nas mãos do
ímpio, o qual cobre com o véu os
olhos dos seus juízes.”
Livro de Jó, 9,24
Onde encontrar a raiz
da palavra raiva
o centro da cegueira
do ódio, da ira.
O mal da malícia
da maldade
da maledicência?
A mola que move
o punho, o soco
a mão que agride
fere, ferra.
O dente que morde.
A força que retesa o arco
dispara a flecha inflexível
contra o coração do homem?
É um tempo de ciladas
de falsos testemunhos.
As palavras não atam
não unem
não ungem
não curam
não consolam.
São facas aguçadas
pedras ponteagudas
jogadas no rosto
do pretenso inimigo.
Ninguém é poupado
do assassinato diário.
O punhal, o tiro
o veneno, o rancor
o cacetete, a droga
o gás lacrimogêneo
as metralhas
— são faces escuras
do extermínio.
A morte exata
ascética
é enviada pelo correio
em cartas-bombas.
Por todos os lados
se armam laços
lanças, lama
estilhaços
cercas, cercos
contra o retirante
o colono, o índio
o proscrito.
Seres em desamparo
doentes, baços
sem braços, sem dentes
sem pernas, sem sangue.
Precários bichos
silenciosos.
Onde a raiz da injustiça
da impiedade, da traição
da aleivosia
dos algozes
das algemas
deste dia?
A hora é horizontal
como um réptil. Escura
como noite invernosa.
Traiçoeira como areia
movediça.
Como Jó clamamos
pela aurora.
[In Revista Oitenta, Porto Alegre, Brasil, L&PM, vol. 6, pp. 113-115, março de 1982]
Sobre Lara de Lemos
by Francis Gruber
quinta-feira, 11 de dezembro de 2014
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