quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Mariana Ianelli

NÓS, OS MELANCÓLICOS
Porque são melancólicos todos os bichos atrás das grades, melancólicos, melancólicos os macacos mendicantes da Indonésia, e ainda os que sobraram no zoológico bombardeado em Al-Bisan, como também é melancólico um poliedro de vidro sobre a asa de um Messerschmidt feito de chumbo, e melancólico o Lúcifer de Franz von Stuck, com os mesmos olhos leitosos de um androide de Blade Runner, como também melancólicas, melancólicas, as garotinhas de Lewis Carroll, as crianças armadas nos campos do norte do Iraque, a menina Rosalia nas catacumbas de Palermo, e ainda as cento e oitenta e seis velas pelo aniversário de dez anos dos cento e oitenta e seis anjos da cidade de Beslan, além do mais, ainda porque são igualmente melancólicas as santas nas caves iluminadas dos sobrados, e as cruzes de beira de estrada, e as polaroides de Tarkovski, aquela obsessão de Tarkovski pela Rússia, aquela obsessão pela névoa que uns chamam de estilo, e no fundo, no fundo, é uma bruta saudade de casa, e porque mais, porque também são melancólicas, melancólicas, as bonecas nas redomas de Farnese, e todas as mulheres do Dr. Charcot, e todas as mulheres de Hopper, e ainda porque, entre outras coisas, também é melancólico o pequeno príncipe no deserto, lá onde uma vez Santo Antão enfrentou e venceu seus demônios, como, além disso, é melancólico, entre outras coisas, o velho piano polido, com um candelabro de cada lado, na casa de campo do poeta assassinado, hoje museu em Valderrubio.

Fonte: Site Vida breve, 09/11/2014


ALFREDO AQUINO

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