domingo, 8 de março de 2015

Gastão Cruz


21
Nas madrugadas de segunda-feira
tinhas de regressar não sabíamos bem
a que fracção do tempo porque tudo
se sobrepunha
e éramos forçados a deter
o instante não por ser
belo, apenas por ser água
onde nunca ninguém duas vezes entraria

22
Existiam então esses momentos
que a câmara
do tempo não retinha? Ao rio das
manhãs não voltaríamos?
São as coisas concretas as mais claras
o suor o quarto a roupa abandonada

23
Os dias existiam somente por sabermos
que se lhes seguiriam
outros essa era a garantia
de sermos reais e o tempo um facto indiscutível
como a vinda do vento o movimento das
marés a força das correntes que mudavam
a posição dos barcos fazendo-os opor
à direcção da água as proas movediças

[In Observação do Verão seguido de Fogo, Rio de Janeiro: Móbile, 2013, pp. 57-59]

foto © Michael Simon 

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