vim do mar. da mesa do mar. que dizia pálidos os
vestidos lançados ao chão. em vagas ou implantes dos
teus dentes como verdades, e da lã das tuas mãos como
cordeiros mansos trouxe a penitência ascendida da boca
dos animais mais ternos, vim do mar que hoje estava
de oliveiras e de fragmentos territoriais, os mesmos
quando fomos transeuntes álgidos e ardis sem envelopes
fechados, as tuas mãos como andas andaram nas minhas
como se asas também fossem, e os peixes abrigaram-
se nos teus pés. cruzados, relutantes no meio da sala
fulgurosa. e um anjo absurdamente coloquial dizia das
assimetrias do teu sorriso e do meu silêncio carnoso,
ocupaste o lugar de todos os ofícios como se ocupa a
lâmina e o fio. ao longe o futuro aquecia o vinho da
despedida em lugar do transe ou da melancolia, e floriu-
se o anjo de beijos primitivos, fez-se espelho e pedra e
lágrima e perfume e cabeça em desmaio, trago do mar
uma foice, latejante o mistério ávido em que te anuncio
nunca mais outra vez. a maré alta como advérbio
mortífero, água em calafrio e deus cheio de vestidos
lançados ao chão. e tu ao largo, sempre ao largo, cada
vez mais véu. o meu.
[In O TEMPO É RENDA, Lisboa: Labirinto de Letras, 2014, p. 092]
BY MICHELA BEVILACQUA |
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