terça-feira, 3 de março de 2015

Maria Lúcia Dal Farra

POEMA
A Antonio Cândido

O ondulado mar
(crina arisca de versos)
galopa na areia imóvel desta página.
Dos cascos e redemoinhos do acaso
faço argolas de Iemanjá,
pulseiras com que ela dança
acatando
o rito dos náufragos.
Nesse ritmo
cu mesma me afogo na gramática deslizante
dessas águas
como se imergisse para o imo hipnótico
onde as ondas
sussurram vocábulos em tom de sonda.

Mimosos cavalos marinhos
escavam (sem patas)
a massa lendária deste papel,

e flores aquosas, arabescos de espuma,
calêndulas
(e até peixes)
sobem à tona
apenas

para comprovar o milagre da escrita.

MUDAS CINZAS
A Jesana B. Pereira e ao
pessoal do "5“ Curta As Mulheres”

Tudo o que é belo
a morte devora:
o pássaro, o êxtase, a veemência das musas,
a infância —
inscrita no vento
ou na água nascente
a vida nada retém.

Indago em vão
as mudas cinzas porque sei
que cada pequena coisa
pede canto.

Ó Deus,
escutai ao menos estes versos
que não vos censuro por acompanhardes
(do alto)
a minha angústia.

[In Alumbramentos, São Paulo, Iluminuras, 2011, pp. 112-113].

ODILON REDON


Nenhum comentário:

Rosa Alice Branco

  A Árvore da Sombra A árvore da sombra tem as folhas nuas como a própria árvore ao meio-dia quando se finca à terra e espera co...