AINDA SOBRE FALAR BRETÃO
(SEM TRADUÇÃO)
Não dizer palavra
aos pais irmãos amigos
mulher marido amante
aos filhos vizinhos
à florista ao taxista
ao desejo que enlouquece
à mão que alisa corta aperta
à sede e à fome de sangue corpo
vingança e ar
às enfermeiras de Paol Keineg
Ou dizê-las todas
às paredes
BAQUE
Jonas entrou na baleia e sentiu
naquelas entranhas o melhor destino
não pôde evitar seus pelos
e uma convulsão explodiu nas vísceras
arremessado contra as rochas Jonas
ainda guarda memórias azuis e antigas
os olhos de vidro têm um estranho
estático brilho
FLAYED FIGURE
Repito
o ritual do esfolamento
(ao lado
todas essas coisas
de cor e som)
Você trouxe os pássaros
o cão cego
ofereceu poemas
em outras línguas
Ainda arranco a pele
mas agora
veja
só em segredo
RADICAL
A despeito do medo de altura
e de escadas verticais
subir ao topo do prédio
olhando para o alto —
um convite a prometidos sinais
Fácil escalar esquecendo
as histórias do solo
o mergulho possível
— pássaro mal empenado que arrisca
aprende a voar e deixa
o gemido das pedras
antes que o mate a fome —
No cimo desse edifício
enfim quase se toca o céu e além disso
(do céu) pouco há
A leste oeste norte ou sul
tudo avança ao igual e ilusório
E ainda o vento varre até os restos
abandonados e lembra
que a boca mais desejada sopra abismos
cola calcário à língua
Talvez voltar mas voltar é pior
a vertigem apaga pegadas
Lá em cima
sobra andar de um lado ao outro
comer pedaços de azul e esperar
a voz dos cortes fechados
Ela (a voz) tem seu preço
e no entanto ensina
a secar a umidade e o musgo e o lodo
dessa chuva chovendo por dentro
E agora que outra ave irrompe
nem eles (cume chuva ou ave) importam
A loba uiva o tempo
ver ouvir provar é tão bom
os dias são o que são
uma única vez
nem contar até três
pular
RITUAL
Neste lugar de sofrimentos vãos
(repleto de quartzos e conchas cortantes
fraturas escárnio lanças e quedas)
as cem virtudes dela ataram suas pontas
às pontas do meu corpo
Cem dedos cedo muito antes
do antes envolveram nossas mãos
E não
Não era mito ou lenda
Era o que era: história trama banal
uma avenida esquina rima
sina pura de quem sabe
atravessar muralhas cores
toda dor frio aço êxtase
Meus medos e delírios engolidos
no fundo da flor
na flor da minha cama
Quando os anjos caíram
já era tão depois tarde tão depois
que nunca soube aprender resposta
nem guerra sem sentir o ar fluindo
pela geografia dessa pele
— arma e armadura caminho
resposta sorte cura
E tão melhor muito mais do que
serei eu sempre e como for
Entre detonações e torres traídas
entre um sonho cinza e outro azul
ervas alfazemas e águias
eu convido repito víscera ainda
e ainda véu ainda digo eu quero a dança
teus renascidos e fundos ser e estar
que me tocam e me salvam do tempo
O infinito na minha boca
TRADUÇÃO
Confesso meu amor
imenso às ilhas
Claro está
não falamos
a mesma língua
Não sei se me ouvem
e percebem
mas em meio às ondas frias
um cardume de águas-vivas
lambe de azul
as pernas
o corpo
No gosto
no gozo
Eu
imerso
[In Sem Passagem para Barcelona, 1 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2015]
(SEM TRADUÇÃO)
Não dizer palavra
aos pais irmãos amigos
mulher marido amante
aos filhos vizinhos
à florista ao taxista
ao desejo que enlouquece
à mão que alisa corta aperta
à sede e à fome de sangue corpo
vingança e ar
às enfermeiras de Paol Keineg
Ou dizê-las todas
às paredes
BAQUE
Jonas entrou na baleia e sentiu
naquelas entranhas o melhor destino
não pôde evitar seus pelos
e uma convulsão explodiu nas vísceras
arremessado contra as rochas Jonas
ainda guarda memórias azuis e antigas
os olhos de vidro têm um estranho
estático brilho
FLAYED FIGURE
Repito
o ritual do esfolamento
(ao lado
todas essas coisas
de cor e som)
Você trouxe os pássaros
o cão cego
ofereceu poemas
em outras línguas
Ainda arranco a pele
mas agora
veja
só em segredo
RADICAL
A despeito do medo de altura
e de escadas verticais
subir ao topo do prédio
olhando para o alto —
um convite a prometidos sinais
Fácil escalar esquecendo
as histórias do solo
o mergulho possível
— pássaro mal empenado que arrisca
aprende a voar e deixa
o gemido das pedras
antes que o mate a fome —
No cimo desse edifício
enfim quase se toca o céu e além disso
(do céu) pouco há
A leste oeste norte ou sul
tudo avança ao igual e ilusório
E ainda o vento varre até os restos
abandonados e lembra
que a boca mais desejada sopra abismos
cola calcário à língua
Talvez voltar mas voltar é pior
a vertigem apaga pegadas
Lá em cima
sobra andar de um lado ao outro
comer pedaços de azul e esperar
a voz dos cortes fechados
Ela (a voz) tem seu preço
e no entanto ensina
a secar a umidade e o musgo e o lodo
dessa chuva chovendo por dentro
E agora que outra ave irrompe
nem eles (cume chuva ou ave) importam
A loba uiva o tempo
ver ouvir provar é tão bom
os dias são o que são
uma única vez
nem contar até três
pular
RITUAL
Neste lugar de sofrimentos vãos
(repleto de quartzos e conchas cortantes
fraturas escárnio lanças e quedas)
as cem virtudes dela ataram suas pontas
às pontas do meu corpo
Cem dedos cedo muito antes
do antes envolveram nossas mãos
E não
Não era mito ou lenda
Era o que era: história trama banal
uma avenida esquina rima
sina pura de quem sabe
atravessar muralhas cores
toda dor frio aço êxtase
Meus medos e delírios engolidos
no fundo da flor
na flor da minha cama
Quando os anjos caíram
já era tão depois tarde tão depois
que nunca soube aprender resposta
nem guerra sem sentir o ar fluindo
pela geografia dessa pele
— arma e armadura caminho
resposta sorte cura
E tão melhor muito mais do que
serei eu sempre e como for
Entre detonações e torres traídas
entre um sonho cinza e outro azul
ervas alfazemas e águias
eu convido repito víscera ainda
e ainda véu ainda digo eu quero a dança
teus renascidos e fundos ser e estar
que me tocam e me salvam do tempo
O infinito na minha boca
TRADUÇÃO
Confesso meu amor
imenso às ilhas
Claro está
não falamos
a mesma língua
Não sei se me ouvem
e percebem
mas em meio às ondas frias
um cardume de águas-vivas
lambe de azul
as pernas
o corpo
No gosto
no gozo
Eu
imerso
[In Sem Passagem para Barcelona, 1 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2015]
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