Passou a tempestade:
Ouço a aérea alacridade, e a galinha
Que volta e recomeça
Seu ciscar costumeiro. Eis que o céu limpo
Ressurge do poente, na montanha;
Alegra-se a campanha
E claro o riacho surge lá no vale.
Todo peito se alegra, a todo lado
Retornam os rumores
E o labor costumado.
O artesão, fito o olhar no úmido espaço,
Canta, empunhando a obra,
Na porta. Alegremente
Sai a aldeã a recolher a água
Da tormenta recente.
A voz sempre presente
Do homem das ervas erra
Pelas trilhas de terra.
Eis o Sol de retorno, que irradia
Nos montes e casais. Cada família
Nos balcões e terraços logo assoma:
E, da estrada molhada, se ouve ao longe
Chocalhos a tinir,- o carro chia
Do viajante que o rumo enfim retoma.
Em toda alma um ardor
Doce, se espalha enfim,
Quando é, a vida, assim?
Quando com tanto amor
No estudo o homem se alenta?
Ou à obra torna? ou coisa nova intenta?
Quando dos males seus se lembra menos?
Prazer, filho da ânsia;
Vão deleite, que é fruto
Do passado temor, onde tremeu
Quem, não amando a vida,
Teve medo da morte,
Onde, em longo tormento,
Muda, fria, transida,
Toda gente arfa e sua, apenas vendo
Cobrir-nos de uma vez
Raios, granizo e vento.
Natureza cortês,
Eis teu dom portentoso,
São esses os deleites
Que ofertas aos mortais. Fugir de penas
Entre nós é um gozo.
Penas espalhas de mão cheia, a dor
Surge espontânea, e se um prazer, acaso,
Por monstruoso milagre algumas vezes
Nasce da angústia, grande é o ganho. Impura
Raça aos Céus cara! Já és feliz bastante
Respirando um instante
De alguma dor; bendita
Se a ti de toda dor a morte cura.
[In Alexei Bueno, Cinco século de Poesia, São Paulo, Record, 2013, p. 43-45]
HEIDI MALLOT |
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