1
Senhor, em presença de tua Face,
eu dançarei.
Porque toda alegria e toda beleza
é ritmo e dança.
E a alegria absoluta
e o absoluto esplendor
são uma dança eterna.
Senhor, em tua divina presença,
eu dançarei.
Dançarei como as frondes, como as flores,
às brisas matinais.
Dançarei como os pássaros
ao profundo frescor dos céus.
Dançarei como as ondas, como as nuvens,
como os ventos oceânicos,
à ebriez dos horizontes sem fim.
Dançarei como os mundos,
à hipnose da grande noite.
Senhor, em presença de tua Face
dançarei, dançarei,
dançarei...
dançarei...
2
Cantarei as estrelas, Senhor,
perpetuamente as cantarei!
Porque elas são e serão sempre
o augusto deslumbramento,
o milagre, a alegria.
Porque elas permanecerão para sempre intactas,
inatingíveis aos golpes
do nosso ímpeto de negação e destruição.
Porque elas são tua imagem,
teu símbolo na matéria.
Quando o homem houver despido
do seu manto de encantamento e de beleza
todas as mais esplêndidas realidades
deste mundo,
quando houver desnudado de sentido
as árvores, os pássaros, as flores,
as montanhas, o mar, os ventos,
- ainda as estrelas guardarão
seu perene fascínio,
seu magnetismo sobrenatural.
Quando em mais nada neste mundo
descobrir o homem vestígios
do absoluto do teu Ser,
- ainda as estrelas lhe dirão,
na sua pulsação infinita
e nos seus insondáveis abismos,
que tu existes, Senhor,
e és absoluto e eterno.
Até o meu último canto
cantarei as estrelas.
Dos meus poemas humildes
nem todos se apagarão
na lembrança dos homens.
E nos poucos que fiquem
ainda estarei cantando
as estrelas eternas.
Senhor, até o fim de tudo
cantarei as estrelas,
perpetuamente as cantarei...
&
Amassa-me, Vida.
Amassa-me como barro,
com tuas mãos demiúrgicas.
Amassa-me, não para destruir-me
(eu sou substância eterna)
porém para modelar-me
e dar-me a forma imperecível
de linhas absolutas
de beleza e esplendor.
Amassa-me, Vida.
Amassa-me como trigo
com tuas mãos sacramentais.
Transforma-me em Hóstia.
Faze-me pão eucarístico
para que me tome o Senhor
em seus dedos divinos
e me transubstancie
para sempre...
&
A lascívia veio, quimérica,
pisando com pés de sombra
sobre veludos irreais.
Veio vestida de tênue túnica
de silêncio
para que eu me despercebesse
de sua presença etérea.
Mas eu sentia-a e olhei-a de frente,
olhei-a nos olhos fundos,
e tive a revelação terrível.
Vi que ela é filha da Tristeza.
Que ela nasceu do ventre
(no entanto infinitamente infecundo)
da Tristeza.
E por isso anda buscando,
numa trágica nostalgia das origens,
nossa alma triste até a morte...
[In Poemas, organização e seleção de Ildásio Tavares, São Paulo: Coedição da ABL e GRD, 2003]
Andrew Warden |
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