terça-feira, 12 de maio de 2015

Mariana Ianelli

ÁGUAS MIÚDAS
Não é do tipo excruciante, dessas dores que derrubam, que torturam, que enlouquecem. Comparada com outras dores, se é que dores se comparam, se é que podem competir umas com as outras só porque em quase tudo neste mundo se compete, comparada com as dores gordas das tragédias, essa é ridícula. Realmente ridícula. No cômputo geral das lágrimas, ridícula. Coisa de águas miúdas. Uma cadela que não se levanta mais, que mal se mexe, mal respira, mas que ainda abana o rabo quando vê você. Dor de ternura. A casa vendida, demolida, apagada do mapa da cidade, sem que nada disso seja exatamente chocante, até o dia em que você passa em frente ao terreno e se dá conta de que o velho flamboyant foi decapitado. Dor de ternura. Saber pelo tapeceiro da rua, amigo do pedreiro dono do galo, que o galo não canta mais para a vizinhança porque morreu. Podia não tecer a manhã, sendo ele único no bairro, mas que tecia o ânimo de muita gente, isso o galo do pedreiro tecia. Dor de ternura. Os livros que eram presentes para a avó, um dia, todos de volta para você, com as páginas marcadas com flores secas. Esses nomes pequenos, como já disse um poeta, esses nomes do afeto quando voltam, meu unicórnio azul, minha lágrima de vidro, minha pérola, minha branquinha. Dor de ternura quando esses nomes pequenos murcham como um pé de hortelã que amarela e pende de um canteiro já em si mesmo tão humilde. Dor de ternura quando voltam no ar do pátio de casa esses nomes, bruma rápida, miragem, chamando você. E você vai, você os ouve, a esses nomes, Coyotito, você cai nesse momento enternecido, que é só isso mesmo, um momento com pouco tempo e pouco mundo para durar, Coyotito, meu poemeto escrito com dedo na areia da praia, meu anjo, meu principezinho.

Fonte: Revista digital RUBEM, 9.5.2015


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