POR CAUSA DAS ROUPAS
Sem costureiros para conectar
A boa vontade do corpo
Ao propósito da mente,
Devíamos ser dois mundos
Em vez de um mundo e sua sombra,
A carne.
A cabeça é um mundo
E o corpo um outro —
O mesmo, mas algo mais lento
E mais deslumbrado e anterior,
A divergência sendo corrigida
No vestido.
Há um cheiro de Cristo
No tecido: abaixo do queixo
Não se quer mal algum. Igual, imune
À prova capital, o saber floresce
Do seio protegido da luz, e as coxas
São humildes.
A união da matéria com a mente
Pelo método da indumentária
Não destrói nossa nudez
Nem abafa a sineta do pensamento.
O momento apenas une-se à sua hora
Muda.
No íntimo existe o brilho do conhecimento
E por fora existe o sombrio da aparência.
Mas ao vestir o manto e a touca
Só com mãos e face aparecendo,
Internalizamos o sombrio e brilhamos
Suavemente.
Por causa disso, pela graça neutra
Da agulha, nos apossamos de nossos triunfos
E de nossas derrotas
Numa conjugação equilibrada e única:
Hesitamos entre senso e insensatez,
E vivemos.
[In Mindscapes Poemas, Seleção, tradução e Introdução Rodrigo Garcia Lopes, Iluminuras, São Paulo, 2004, pp. 117-119]
terça-feira, 30 de junho de 2015
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