Não creias, artista, que seja o trabalho o que te põe à prova. Não és o que pretendes ser nem és a pessoa por quem este ou aquele te toma, por estar mal informado, enquanto ela não se tornar natureza para ti, de modo que não possas fazer outra coisa senão conservar-te nela. Trabalhando assim, és a lança arremessada com maestria. Leis recebem-te das mãos da lançadora e precipitam-se contigo no alvo. O que seria mais seguro que o teu voo?
Consista a tua prova, porém, no fato de que nem sempre és arremessado. No fato de que a arremessadora Solidão há muito não te escolhe; olvida-se de ti. Este é o tempo das tentações, quando te sentes inutilizado, incapaz (Como se o manter-se preparado não constituísse ocupação bastante!). Então, quando estás deitado de uma maneira que não é tão pesada, as distrações exercitam-se em ti e procuram descobrir alguma outra coisa a que te possas dedicar. Como
se te tomasses a vara de um cego, uma dentre as barras de uma grade ou o bastão do equilibrista. Ou, ainda, elas se erguem e plantam-te no solo do destino, de modo que te aconteça o milagre das estações e faças brotar pequenas folhas verdes de felicidade...
Então, oh, férreo ser: deita-te pesadamente.
Sê uma lança. Sê uma lança. Sê uma lança!
(In Rainer M. Rilke, O testamento, tradução Tércio Redondo, São Paulo, Globo, 2009)
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