sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Nathan Alterman

UMA CARTA
Meus olhos hoje se abriram de repente em cima de ti.
Meu deus meu,
eu sou inocente.
Lembra-me, quando o sol vai pascendo sobre a água,
Que nasci gêmeo diante de ti.
Agora é o crepúsculo. Adensaste as vidraças,
Apagaste o candelabro e embaçaste as imagens.
Porque morreu em mim teu único, o filho que amavas,
Sobre o qual levantei a mão no prado.
Estou inocente, meu deus. Bati lentamente, docemente.
Arrastei-o do teto maternal para o mercado.
Tirei-lhe a túnica. Esperava por suas lágrimas.
Amarrei-lhe os braços, mas ele sorria em silêncio.
Não o sabia desde sempre — que ele é mais precioso
[do que eu.
E ele, só ele, é para ti o querido, o único.
Sobre o berço de suas dores, eu me curvava como uma
[ama.
Para ele, tocava árias no meu acordeon.
Quando a noite estrangeira se abriu para me chamar
[para ti,
E que eu fugia para ele, encantado pelo seu fascínio —
Meu irmão que lutava, meu irmão que acabava de
morrer,
Ficou sem água nem confissão. 
Hoje, minha alma quer descansar em ti, no
esquecimento...
Tu és para mim uma floresta espessa, pesada de fôrça
[e triste.
Se tivesses visto, ao menos, entre a noite e a
[madrugada.
Como em tuas portas minhas mãos imploravam — o
[arrependimento!
Se apenas tivesses visto como meus dias maravilhosos
Faziam dançar um urso no mercado, para o pão e o
[amor.
— Os porteiros se lançariam a seus pés, meu deus,
Quando eu os trouxer diante de ti para que os vejas.
Preparo-me para a viagem da estrada que soçobra.
Em sua fria brisa, tão doce à minha boca
Direi à minha terra:
Lembra-te da minha carícia
Eu sou a mão que se levantou sobre os teus lilases.
Foi bom que eu não tivesse fugido para longe com a
[solidão glacial
E que os tumultos do estrangeiro me tivessem recebido
[em seu seio
Ao menos se quisesses também perdoar este trabalho
poético
E aceitá-lo como um riso'simples que tivesse rido aqui. 
A uma árvore pesada, meu deus, chegará coxeando
[meu ser.
Deixará cair seu pobre saco, e sucumbido...
. .. Hoje tive vontade de te compor uma carta,
Mas, ao tocar o coração do poema, a pena se quebrou.

[In Antologia da Literatura Hebraica Moderna, Rio de Janeiro, Biblos, 1969, pp. 45-47].





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