DE AMORGÓS
I
(...) Por isso eu quero, meus bravos rapazes, que com
vinho, beijos e folhas em vossas bocas,
Andeis nus pela beira dos rios
A cantar a Barbaria assim como o lenhador procura as
aroeiras
Assim como a víbora se esgueira nos campos de cevada
Com seus altivos olhos irritados
Assim como os relâmpagos açoitam a juventude.
E não rias não chores não te alegres
Não apertes sem razão os teus sapatos como se fosses
plantar plátanos
Não te faças de DESTINO
Porque a águia dourada não é gaveta com chave
Não é lágrima de ameixeira nem sorriso de nenúfar
Ou colete de pombo ou bandolim de Sultão
Ou traje de seda para a cabeça da baleia
É serrote marinho que despedaça as gaivotas
É travesseiro de carapina relógio de mendigo
É fogo de ferreiro a zombar das mulheres dos padres e
a acalentar os lírios
É casamento de turcos festival de australianos
E covil de húngaros
Onde no outono as aveleiras vão secretamente se encontrar
Ali vêem as sábias cegonhas colorir seus ovos
E então choram também
Queimam as roupas de dormir vestem anáguas de pata
Espalham astros no chão para os reis pisarem
Com seus amuletos de prata sua coroa e púrpura
Esparzem alecrim sobre os canteiros
Pelos quais os ratos passam quando vão a outro celeiro-
a outras igrejas roer o Santo Altar
E as corujas, meus meninos, as corujas
Estão uivando
E as freiras mortas se erguendo para a dança
Ao som de tamboris pífanos violinos alaúdes tímbales
Com incensórios e flâmulas, com ervas e com véus
Com as ceroulas da ursa no vale enregelado
Devoram os fungos das martas
Jogam cara ou coroa com o anel de São João e os florins
do Mouro
Escarnecem das bruxas
Cortam as barbas de um padre com o iatagã de
Kolokotrónis
Banham-se no vapor do incenso
E depois, cantando lentos salmos, entram terra adentro
e calam-se
Como se calam as ondas como se cala de manhã o cuco
e a lâmpada de noite.
II
(...) Atirai fora os mortos disse Heráclito e vereis o céu
tornar-se pálido
E vereis na lama dois pequenos ciclamens desfolhando-se
E ele próprio se pôs a beijar seu corpo morto dentro da
terra hospitaleira
Como o lobo desce das florestas para ver o cão morto
e pranteá-lo.
Que me importa a gota rebrilhando em tua fronte?
Sei que o raio escreveu seu nome nos teus lábios
Sei que dentro dos teus olhos uma águia fez o ninho
Mas aqui, na úmida ribanceira, existe um único caminho
Um caminho ilusório mas que cumpre atravessar
Tens de empapar-te de sangue antes de o tempo te alcançar
E de chegar ao outro lado para encontrar os companheiros
Flores corças pássaros
Achar um outro mar outra ternura
Tomar a rédea dos corcéis de Aquiles
Em vez de ficares aqui sentado mudo a censurar o rio
A lapidar o rio como a mãe de Kítso.
Pois tu também te perdeste e tua beleza emurcheceu
Nos ramos de um salgueiro vejo secando tua camisa de
infância
Usa a bandeira da vida para sudário da morte
Que o teu coração jamais se dobre
Que tuas lágrimas não corram por esta terra inexorável
Como corriam outrora por ermos enregelados as lágrimas
do pinguim
De nada adianta a queixa
Por toda parte a vida será igual à flauta das serpentes
no país dos fantasmas
À canção dos bandidos em florestas de aromas
Ao punhal de uma ânsia nas faces da esperança
À dor de uma primavera no íntimo da alvéola
Basta encontrar um só arado e uma foice afiada em mão
de júbilo
Basta que floresça
Um pouco de trigo para a festa um pouco de vinho para
a lembrança um pouco d’água para o pó...
IV
(...) Em algum lugar há uma pedra imortal onde um anjo
humano de passagem escreveu seu nome e uma canção
que ninguém ainda conhece nem a mais doida das crianças
nem o mais sábio rouxinol. Ela está guardada agora numa
caverna do Monte Dévi em meio às grutas e alcantis da
terra de meu pai mas quando esta canção angélica irromper
um dia e se chocar contra a ruína e o tempo há de parar
a chuva de repente a lama vai secar e a neve derreter
nos montes o vento trinará as andorinhas vão ressuscitar
os salgueiros hão de estremecer e os homens com seus
olhos frios e rostos pálidos ao escutarem os sinos tocando
por si mesmos nos gretados campanários acharão chapéus
de festa para a cabeça e laços vistosos para os sapatos.
Porque ninguém então vai mais zombar o sangue dos ria-
chos transbordará os animais romperão as suas bridas nas
manjedouras o feno reverdecerá nos estábulos frescas pa-
poulas e anémonas brotarão sobre os telhados e em todas
as encruzilhadas se acenderão rubras fogueiras à meia-
noite. Então devagarinho virão as moças assustadas para
lançar ao fogo suas últimas peças de roupa e de todo nuas
dançar à sua volta exatamente como quando nós também
éramos jovens e uma janela se abrirá de madrugada nos
seus seios para que ali floresça um cravo incendiado. (...)
[In Poesia Moderna da Grécia, seleção, tradução direta do grego, prefácio, textos críticos e notas de José Paulo Paes, Rio, Ed. Guanabara, 1986, pp. 274-277]
quarta-feira, 7 de outubro de 2015
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