domingo, 11 de dezembro de 2016

Mia Couto

DESENCONTRO (1)
Não ter morada
habitar
como um beijo
entre os lábios
fingir-se ausente
e suspirar
(o meu corpo
não se reconhece na espera)
percorrer com um só gesto
o teu corpo
e beber toda a ternura
para refazer
o rosto em que desapareces
o abraço em que desobedeces 

DESENCONTRO (2)
No avesso das palavras
na contrária face
da minha solidão
eu te amei
e acariciei
o teu impercetível crescer
como carne da lua
nos noturnos lábios entreabertos

E amei-te sem saberes
amei-te sem o saber
amando de te procurar
amando de te inventar

No contorno do fogo
desenhei o teu rosto
e para te reconhecer
mudei de corpo
troquei de noites
juntei crepúsculo e alvorada

Para me acostumar
à tua intermitente ausência
ensinei às timbilas
a espera do silêncio

[In Poemas Escolhidos, Companhia das Letras, 2016]


3 comentários:

Sir. William Von Lichtenstein disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Sir. William Von Lichtenstein disse...

Muito bom o blog. Estou adorando os poemas!

Antonio Damásio disse...

Boa noite, Sir. Volte sempre!!! Será sempre bem-vindo. Abraços.

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