Para Antônio Damásio
Há coisas que pedem silêncio
o mesmo silêncio das pedras no fundo do rio
dos peixes nos igarapés, da aranha no paiol vazio
a mudez das rochas e dos musgos
Há coisas que devem permanecer caladas, intocadas
Entaladas na garganta como o choro que se engole
Dissimulado, amargo
Há coisas que pedem para serem engasgadas
para ficarem dentro da gente como tutano
pulsando por se mostrarem vivas
estigmas
não mais que isso.
Há segredos que devem morrer sagrados
ocultos, enterrados, como fossem fósseis
no sítio arqueológico da alma
sob olhares quase-mortos
e cheios de tristeza e desencanto
sem dor, lamento ou pranto.
Há coisas que exigem silêncio
mas é sobre essas coisas que o poeta berra
que os poemas uivam
que os versos gritam
para quem as quiser ouvir
e se ensurdecer.
(Inédito)
OUTROS JARDINS
Flores iguais, embora diferentes
de mesmo pólen, viris
sementes
híbridas espécies, múltiplas, ardentes
a rude maciez do amor
valente
Brotam nos jardins de toda casa
entre ervas que as julgam
repelentes
Algumas se ocultam, outras se mostram
no orgulho da botânica
iridescente
Ah, como anseio a jardinagem
da rara orquídea azul entre
os teus dentes
tocar-te o caule, o talo, o grão, a vagem
sentir na pele-pétala a seiva
quente.
(Inédito)
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